segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Mágico de Oz: Uma Magia Poderosa e Duradoura


Fábio Trindade
Fotos: Alessandro Rosman
DA AGÊNCIA ANHANGUERA

Os últimos testes de luz e alguns acertos ainda eram feitos no palco, que estava com a cortina fechada, até que, de repente, como se estivesse passeando num parque, uma bruxa verde, queixuda, nariguda, com os cabelos vermelhos e um vestido espalhafatoso sai da coxia e percorre toda a extensão do tablado. Ela para, ajeita o figurino e, discretamente, dá um sorrisinhos e fica olhando para a plateia, esperando a sua deixa. Era impossível reconhecer quem estava por trás de toda aquela indumentária. O diretor e tradutor Cláudio Botelho sai da plateia e fala com ela, que vai embora da mesma forma como entrou: tímida.

A mesma nariguda verde que volta ao palco na hora do "valendo" nem de longe lembra a distraída de minutos atrás. E nem poderia ser diferente, afinal, a tal bruxa não é qualquer uma por ai de um reino esquecido. Trata-se da maligna Bruxa Má do Oeste, o pior pesadelo da frágil Dorothy e de toda Oz. Assim como não dá para ficar indiferente a quem dá vida a ela. Tanto que basta Heloísa Périssé começar a disparar broncas e reclamações aos seus súditos no castelo sombrio montado no Teatro Alfa, em São Paulo, para o clima na sala mudar durante a apresentação para imprensa do musical O Mágico de Oz, que entrou em cartaz este final de semana na cidade.

Com um humor escrachado e ao mesmo tempo leve, Heloísa embarca na grandiosa produção do clássico filme de 1939 substituindo Maria Clara Gueiros após uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro. "Eu a vi no Rio, eu vi os vídeos para conhecer a bruxa dela, para depois criar a minha. Eu acho que a bruxa dela é mais decidida, irônica. A minha é mais deprimida, passa por alguns conflitos internos. É uma bruxa bipolar", brinca a atriz, que faz tudo parecer improviso, mesmo sabendo que em musicais como esse cada fala e marcação são milimetricamente ensaiadas.

L. Frank Baum publicou O Mágico de Oz em 1900 e trouxe ao mundo a órfã Dorothy, que vive no tranquilo estado do Kansas com os tios Emily e Henry, até que um ciclone arrasta sua casa e ela vai parar, junto com o cãozinho Totó, na Terra de Oz. A casa cai no reino dos Munchkins, bem em cima de Bruxa Má do Leste, matando-a. A jovem herda os sapatos brilhantes da malvada e é aconselhada a seguir pela estrada de tijolos amarelos até a Cidade das Esmeraldas, onde poderá pedir ajuda ao Mágico para voltar para casa. O enrendo ganhou fama com o célebre longa-metragem estrelado por Judy Garland e, de lá pra cá, nunca esteve fora do centro da indústria mundial de entretenimento. Tanto que novas edições da obra, exposições e até um filme – Oz: Mágico e Poderoso, superprodução da Disney dirigida por Sam Raimi e estrelada por James Franco – resgatam a trama de L. Frank Baum (confira mais no quadro).

A montagem brasileira, assinada por Charles Möeller e Claudio Botelho – responsáveis por musicais como Hair, A Noviça Rebelde, Gypsy e Um Violinista no Telhado - é baseada na única adaptação autorizada para o teatro, feita pela Royal Shakespeare Company, seguindo praticamente todo o roteiro do filme, trazendo, inclusive, números cortados da versão cinematográfica.

A talentosa Malu Rodrigues, de apenas 19 anos, mas com seis produções no currículo, lidera um elenco de 35 atores e 16 músicos ao encarnar o emblemático papel de Garland. Pressão? "Durante o período dos ensaios, audição e tudo mais, eu nunca parei para pensar nisso ou no que as pessoas iam achar. Hoje, eu também penso assim, porque a gente não tem como agradar todo mundo. Tem gente que vai gostar, outras não, mas a pessoa que eu mais torço que esteja orgulhosa é a Judy Garland, lá em cima. É um personagem emblemático sim, mas não só por ter sido feito por ela, mas por ser incrível, bem construído. Foi um presente que o Cláudio e o Charles me deram depois de tantos trabalhos juntos."

Elenco

Para os idealizados, Luiz Carlos Miéle sempre foi o nome para dar vida ao Mágico. Tanto que, para isso, Botelho pediu autorização para escrever uma canção exlusiva para o personagem e, assim Miéle aceitar o papel. "Sempre quis fazer um musical e quando me convidaram para esse foi uma alegria e uma decepção", revelou o ator. Quando disseram que era para ser o Mágico, ele percebeu que não iria cantar ou dançar. "Fiquei tristíssimo. Falei que era melhor deixar, que eu ia esperar um outro, se é que um dia fosse aparecer outro." Dois dias depois, ligaram para Miéle para contar que Botelho tinha conseguido uma licença especial para escrever uma canção especial para ele, algo que não existe em nenhuma outra montagem. "Devia ter exigido isso também", brincou Heloísa, já que ela se disse também frustrada por não cantar. "Estou em um musical em que eu só falo o texto. Mas não tem problema, outras coisas virão."

Lucio Mauro Filho, que faz sua estreia no gênero, vive o Leão Covarde. Com trejeitos homossexuais e piadas nada infantis, a proposta chegou a assustá-lo no início. "Quando li o texto pela primeira vez e vi a piada da lata (no belo número As Papoulas, o Leão tira do bolso o objeto e diz que o efeito das flores é tão forte que sentou em cima da lata e nem sentiu), fui no Cláudio e perguntei se era isso mesmo. E ele me respondeu: Está no original (risos). Para a minha surpresa, era mesmo do original e percebi, de fato, que era uma história contada para todas as idades, com piadas de diferentes tons. Claro que ficamos com a preocupação de se vai incomodar, ofender, mas, durante toda a temporada no Rio, ficou claro que a maldade está apenas na cabeça do adulto."

O versátil André Torquato, revelado em Gypsy e estrela de Priscilla - Rainha do Deserto, e Nicola Lama, que ganhou destaque pelo ótimo desempenho em Um Violinista no Telhado, completam o trio o de amigos que ajuda Dorothy a seguir pela estrada dos tijolos amarelos como, respectivamente, Espantalho e o Homem de Lata.

Serviço

O quê: Musical O Mágico de Oz
Quando: Até 26/05, sextas às 21h30, sábados às 16h e 20h, domingos às 15h e 19h
Onde: Teatro Alfa (R. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo, fone: (11) 5693-4000
Quanto: de R$ 40,00 a R$ 180,00
Classificação: Livre
Duração: 150 minutos (com intervalo de 15 minutos) 




sábado, 2 de fevereiro de 2013

Crítica: Os Miseráveis (Les Misérables) peca em versão cinematográfica com Hathaway e Jackman

Anne Hathaway na cena do musical Les Misérables (Os Miseráveis) em que canta a famosa música I Dreamed a Dream

Fábio Trindade

Com a voz embargada, um sofrimento pulsante, um cenário caótico, sem contar o texto impecável, Anne Hathaway conquistou o meio cinematográfico ao dar vida a Fantine e interpretar a famosa canção I Dreamed a Dream na versão para as telonas do clássico musical Les Misérables, em cartaz há 28 anos em Londres. Tom Hooper (O Discurso do Rei) quis, indiscutivelmente, que seus atores cantassem ao vivo em todas as cenas, sem qualquer tipo de playback, contando apenas com um piano para acompanhar as tomadas. Algo jamais feito no cinema. Essa foi, sem dúvida, a melhor decisão que ele poderia ter tomado para transportar dos palcos para o cinema algo tão marcante e intenso. Por isso, falar em Os Miseráveis, em cartaz desde ontem, é falar no plano-sequência de quase três minutos, todo em close-up, protagonizado por Anne. Pouco importa se ela sabe cantar ou se a afinação é duvidosa. A carga dramática é simplesmente real, como se ela estivesse bem ali, na sua frente, e pudéssemos sentir a dor que aquela mulher está passando. Tanto que o Oscar de melhor atriz coadjuvante é praticamente certo para ela.

Hugh Jackman interpreta Jean Valjean: papel da vida
Mas Os Miseráveis, por mais que só se citem I Dreamed a Dream, está muito além da Fantine de Anne. Aliás, Hugh Jackman, no papel de Jean Valjean, faz praticamente durante todo o filme o que a colega fez, com a mesma intensidade — e com uma voz mais bonita. Ele está certo ao dizer aos quatro ventos que esse é o papel da sua vida. Na história, tendo como cenário a França do século 19, ele vive um ex-prisioneiro que passou 19 anos na cadeia por ter roubado um pedaço de pão e, mesmo assim, continua sendo perseguido pelo implacável policial Javert (o péssimo Russell Crowe, mas falaremos dele adiante). Jackman encarna o personagem com garra, apesar de algumas vezes soar muito jovem para o fardo que o prisioneiro pede.

Samantha Barks é a grande revelação em Les Misérables
E, no meio de tudo isso, surge Samantha Barks como Éponine, uma estreante em cinema, mas PhD em Les Misérables. A atriz/cantora britânica estrelou a produção musical em Londres por quase dois anos e foi selecionada para interpretar o papel no concerto pelo 25<SC210,186> aniversário. Provavelmente por isso, além de ter uma voz que destoa dos demais colegas, é a única no enorme elenco a passar a interpretação e a qualidade vocal existentes no palco e que o personagem exige. Apesar de Anne e Jackman serem ótimos e segurarem as cenas, a estrutura do roteiro torna superficial o percurso individual não só deles, mas de todas as figuras existentes na trama.

Anne Hathaway e Hugh Jackman foram indicados ao Oscar
Tanto que o filme cai vertiginosamente ao entrar no conflito político da época, quando jovens buscam apoio para uma revolução. O contexto mal explicado deixa tudo muito vazio, não conseguindo estabelecer um elo com o espectador. O fato épico se torna banal e desnecessário, parecendo apenas birra de criança.
O ritmo totalmente atropelado contribui para isso. Não há espaço para o silêncio, para um respiro que seja para reflexão, tão necessário para um texto denso e 99% cantado. Ou seja, a história não se sustenta e os números que no musical exalam o que há de melhor na trama de Victor Hugo passam aos supetões.

Helena Bonham Carter: atuação caricata perde sentido
O relacionamento entre Cosette (a apagada Amanda Seyfried) e Marius (vivido pelo talentoso Eddie Redmayne) é o melhor exemplo. Não há como torcer pelos dois, já que a construção do romance é pincelada ao ponto de deixar mais fictício que um conto de fada. E o que acontece com Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter (como Monsieur e Madame Thénardier) é ainda pior. Eles transformaram o único ponto de escape na sofredora história em algo tão caricato que, ao invés de pilantras aproveitadores divertidos, eles nada mais são que dois palhações de quinta.

Russell Crowe desliza no papel do policial Javert 
E aí temos Russell Crowe. A sensação que se tem durante todo o filme é que ele está constrangido por cantar, como se fosse ele o preso, obrigado a fazer tudo aquilo. Além de parecer que tem um ovo na boca, ele não expressa qualquer tipo de reação, como o ódio existente por Jean Valjean, tão imprescindível para permear a trama.

Como se não bastasse, tudo é muito previsível. Sabe o close-up dito no início do texto? Se prepare, porque eles virão aos montes. Tom Hooper pode ter inovado na forma de cantar, mas na hora de filmar pesou a mão. Depois de Anne brilhar na cena, os números posteriores, e são muitos, seguem exatamente o mesmo estilo superfechado no rosto do ator. Ele não explora cenários, planos ou qualquer coisa que torne a cena única. É igual do começo ao fim. O resultado é simples: quem não assistiu ao musical em “carne e osso” pode até gostar e mesmo ir às lágrimas. Os demais perceberão que a adaptação de um dos melhores musicais de todos os tempos é fraca e, pior, frustrante.