quinta-feira, 22 de março de 2012

Em cena, as tradições de Um Violinista no Telhado

Comunidade judaica de Anatevka celebranco o alicerce de sua existência, as tradições, em Um Violinista no Telhado



Minha matéria/crítica publicada no Correio Popular no dia 19/03

Fábio Trindade
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
Fotos: Guido Melgar/Divulgação

José Mayer vive no musical Tevye, o leiteiro da comunidade 

Quando as cortinas se abrem e Tevye (José Mayer) entra em cena, um rapazinho no telhado de uma casa simples no povoado fictício Anatevka, na Rússia czarista, toca lindamente seu violino. "Parece loucura, não é? Mas no nosso lugarejo é assim. Cada um de nós é um violinista no telhado. Ficamos aqui, porque Anatevka é a nossa terra natal" , diz o pobre leiteiro, membro de uma comunidade judaica, apresentando, na verdade, uma metáfora para explicar justamente o fundamento da existência de sua comunidade. "Nós sempre estamos com a cabeça coberta. Sabe por quê? Eu não tenho ideia. Mas vocês podem se perguntar também como fazemos para manter o equilíbrio em cima do telhado, e eu respondo. O que traz equilíbrio à nossa mente pode ser resumido numa palavra: tradição."
São elas, as tradições, que definem os papéis que cada um deve assumir no povoado: seja o mendigo, a casamenteira, o açougueiro, o rabino e, claro, o leiteiro e sua família, que fazem parte da base econômica do vilarejo, todos sabem bem porque estão ali. Sem as tradições, a vida em Anatevka seria tão instável quanto o violinista que tenta se equilibrar nos telhados das casas. Por isso o jovem está sempre lá, durante todo o espetáculo, como se fosse uma parte da consciência de Tevye, lembrando qual caminho seguir, mesmo que seja para abrir espaço para a quebra dessas muitas tradições.

Essa é mensagem que percorre todo o musical Um Violinista no Telhado, baseado nos tradicionais contos judaicos de Sholom Aleichem e trazido ao Brasil pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, e que fica em cartaz até 15 de julho no Teatro Alfa, em São Paulo.

Cena do musical Um Violinista no Telhado, com José Mayer

E mesmo sendo uma família do início do século 20, num país em crise e abalado pela desigualdade social, é impossível não dizer que se trata de um enredo atemporal e sem classe definida. Viver sob tradições e muitas vezes ter de confrontá-las fazem parte de qualquer sociedade, e isso, por si só, já torna a peça bem-sucedida.

"É um prazer para nós, atores, e também para a plateia, seja judia ou não" , explicou, ainda transpirando a energia da peça, José Mayer, em conversa com a reportagem poucos minutos após apresentação apenas para convidados, na semana passada. "Certamente, dentro do panorama de musicais, trata-se de um dos momentos mais sublimes. A peça é de 1964 e se tornou um clássico excepcional montado no mundo inteiro. Todos nós passamos por coisas como as apresentadas. Filhas se casando, apego ao passado, os costumes, necessidades de mudanças. Esses assuntos fazem parte de qualquer família e por isso acho que o musical bate tanto no coração das pessoas" , continuou o ator, que contracena na peça ao lado da filha, Júlia Fajardo. "Estou triplamente feliz. Pela beleza da peça, pela oportunidade que o personagem oferece e, agora, com a Júlia no elenco."

Mayer, que pode ser visto todas as noites como o peixeiro Pereirinha do folhetim global Fina Estampa, canta e dança em Um Violinista... Aliás, ele é o típico não-cantor que canta, conseguindo se manter e até fazer bonito perto dos outros cantores profissionais. Isso se dá também principalmente pela ausência de uma voz marcante no musical, o que, no final, acaba sendo um problema. Destaque para Malu Rodrigues no papel de Hodel e Julia como Chava, filhas de Tevye, com vozes que destoam das demais, mas que aparecem em poucos momentos e em duetos que não estão a altura.

Família
Judeus sofrem com decreto Czar que os expulsa do lugarejo

A relação do leiteiro com as filhas é o fio condutor do espetáculo para falar da tradição. Na aldeia, as filhas se casam com quem o pai escolher, auxiliados por uma casamenteira, que procura bons partidos para as jovens, em troca de uma comissão. Mesmo que esse partido tenha duas, três vezes a idade delas. Tevye descobrirá que com ele não será assim. As três filhas mais velhas, de cinco, se interessam por outros rapazes - um alfaiate pobretão, um judeu revolucionário e até um russo, o que, nem com a quebra de outras tradições, será aceito pelo pai.

Os momentos de reflexão de Tevye para saber se permitirá e abençoará essas uniões são hilários, com um texto impecável e um humor ácido de Mayer no mesmo estilo de seu personagem da TV. Aliás, não há como não comparar o Pereirinha e o Tevye, e não apenas pelo visual. Os trejeitos, as sacadas e a forma de tratar os assuntos são exatamente os mesmos. "Eu acho que os dois se influenciaram. O Tevye me possibilitou chegar ao Pereirinha, que acabou ficando com o mesmo visual do Tevye. Os dois personagens tem uma certa afinidade, até porque um é leiteiro e outro peixeiro. São personagens populares, afetivos, e o público adora" , contou o ator.

Soraya Revenle, no papel de Golda, e Mayer como Tevye
Quem rouba a cena, e não poderia ser diferente, é a veterana Soraya Ravenle no papel de Golda, a mulher bravíssima e de gênio forte de Tevye. Com uma interpretação impecável, apesar dos números musicais relativamente fracos, a melhor cena do espetáculo, inclusive, é o momento em que o chefe da família precisa contar a ela que a primogênita não poderá aceitar a proposta de casamento do açougueiro (Sylvio Zilber) que ela considera ótima, para ficar com o pobretão. O palco cheio e os efeitos dão uma pitada especial.

"Todos os trabalhos, quando são bons, desafiam o ator. Esse é um texto clássico, que já nasceu muito bom, com uma dramaturgia perfeita e com um personagem rico e complexo" , comentou Soraya. A atriz, que já fez musicais como Ópera do Malandro (2003) e Sassaricando (2007), explica que esse, entretanto, tem um ar diferente. "A história é parecidíssima com a da minha família. Eles precisaram fugir pouco antes da Segunda Guerra Mundial, apesar da gente estar tratando da Primeira aqui. Então me toca de forma diferente."

Segundo Ato

O fato citado por Soraya é a pressão política do Czar, que baixa um decreto obrigando os judeus a deixar a vila de Anatevka e, consequentemente, suas tradições. Esse dilema é tratado fortemente no segundo ato, mas como antes era apenas pincelado, acabou deixando o musical arrastado e um pouco monótomo, confrontando a animação e beleza da primeira parte (muito melhor). Todos do lugarejo, desiludidos, saem em busca de um novo lugar para viver, sabendo que nunca terão ali novamente rezas, festas tradicionais, celebrações de shabat e casamentos - momentos típicos do judaísmo que são apresentados de forma brilhante, como, por exemplo, a reza da família diante da mesa e o casamento da filha mais velha. Emocionantes.

Serviço:

O quê: Um Violinista no Telhado
Quando: estreia hoje e fica em cartaz até 15 de julho
Onde: Teatro Alfa (Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo, fone: (11) 5693-4000)
Quanto: de R$ 40,00 a R$ 200,00 (bilheteria do teatro e pelo site www.ingressorapido.com.br)

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